Por Cristina Balerini – Especial para o Saúde Business – 11 de junho, 2025
A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que as mudanças climáticas já provocam, pelo menos 150 mil mortes anuais, número esse que deve dobrar até 2030. Os agravos à saúde causados por fenômenos extremos do clima, como inundações e fenômenos meteorológicos, são frequentemente associados a traumatismos físicos, como lesões ou mortes acidentais, mas o trauma físico representa somente uma fração dos efeitos das mudanças climáticas na saúde – a maior parte do impacto se deve a afecções não traumáticas, como doenças cardiovasculares, respiratórias e renais, doenças de transmissão vetorial, adoecimento mental e problemas psicossociais.
Nesse contexto em que mudanças climáticas e saúde estão interligadas, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que acontece em Belém (PA), em novembro, torna-se um espaço para debates e troca de experiências que possam gerar alternativas e parcerias que visem minimizar os impactos das alterações climáticas nas pessoas, nos sistemas de saúde e na sociedade como um todo.
“A crise climática afeta a saúde das pessoas de forma imediata: vemos o aumento de doenças respiratórias, surtos infecciosos, eventos extremos como enchentes e ondas de calor. O sistema de saúde é um dos primeiros a sentir esses impactos — e, por isso, precisa estar no centro da solução”, avalia Giovanni Cerri, presidente do Conselho de Administração do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).
Além disso, o próprio setor também é responsável por parte das emissões, especialmente em hospitais de alta complexidade, com grande consumo de energia e produção de resíduos. “Diante desse cenário, o setor precisa assumir seu protagonismo, o que significa agir com responsabilidade em duas frentes: adaptação às consequências das mudanças climáticas e mitigação dos impactos ambientais das próprias atividades”, diz o executivo.
As deliberações da COP têm um papel como catalisadoras de políticas nacionais. Elas ajudam a estabelecer prioridades, metas e diretrizes que, se bem articuladas internamente, resultam em políticas públicas concretas. No campo da saúde, isso pode significar investimentos em saneamento, promoção da saúde ambiental, ampliação da telessaúde e incentivo à adoção de práticas sustentáveis nos serviços assistenciais.
Brasil como protagonista desse debate
A realização da COP30 representa uma oportunidade histórica para o Brasil assumir protagonismo na interseção entre saúde e mudanças climáticas. O debate climático, antes centrado em energia e desmatamento, agora inclui com urgência o impacto direto do aquecimento global sobre a saúde da população e exige respostas concretas de instituições públicas e privadas.
Na opinião de Cerri, o Brasil tem experiências relevantes a apresentar. “Hospitais de excelência já adotam políticas internas de sustentabilidade — como uso racional de recursos de imagem, substituição de fontes de energia, redução de resíduos e digitalização de processos. O setor filantrópico e privado, por meio de iniciativas articuladas, tem demonstrado capacidade de inovar com responsabilidade ambiental.”
Segundo o executivo, essas boas práticas estão em linha com as diretrizes promovidas pelo ICOS, que defende a adoção de indicadores de valor e sustentabilidade como parte da gestão da qualidade em saúde. “Iniciativas como essas mostram que é possível unir eficiência assistencial com compromisso ambiental — e devem ser levadas à COP como inspiração.”
Cerri destaca ainda que o Brasil tem legitimidade para liderar globalmente essa agenda. “Podemos assumir compromissos como a redução das emissões dos serviços de saúde, ampliação do acesso à saúde digital em regiões remotas, estímulo à construção de hospitais sustentáveis e maior investimento em políticas intersetoriais que ligam saúde, educação ambiental e urbanismo”, diz Cerri.
O papel das instituições setoriais
“As instituições têm a responsabilidade de comparecer à COP30 não apenas como observadoras, mas como protagonistas, levando experiências, soluções e propostas concretas. O aquecimento global impacta diretamente a saúde das populações, e é preciso apresentar iniciativas que reduzam esse impacto.
O ICOS, em suas propostas, aponta alguns caminhos, como a regionalização da atenção, a integração da saúde digital, modelos de remuneração baseados em valor e o fortalecimento da atenção primária como eixo de prevenção e sustentabilidade. Essas diretrizes dialogam diretamente com os compromissos que o Brasil pode e deve apresentar em fóruns como a COP30.”
Cerri destaca ainda que as entidades de classe e redes internacionais são essenciais para conectar agendas, gerar consenso técnico e influenciar decisões em nível global. “Elas articulam interesses diversos e ajudam a traduzir evidências científicas em recomendações concretas. Foi exatamente esse o processo adotado para a construção do documento de propostas para a saúde 2023–2030 (elaborado pelo instituto), que envolveu dezenas de organizações e especialistas em torno de diretrizes comuns. Essa capacidade de articulação multissetorial é o que dá força e legitimidade ao advocacy em saúde e clima — e será decisiva para o sucesso da participação brasileira na COP30.”
A responsabilidade dos prestadores de serviços em saúde
Frente ao cenário de intensificação de eventos climáticos extremos, os prestadores de serviços em saúde têm um papel relevante. No que tange aos laboratórios de medicina diagnóstica, esses devem estar focados na ampliação do acesso ao diagnóstico precoce e da vigilância epidemiológica.
“Isso passa pela incorporação de tecnologias que permitam maior precisão e agilidade na liberação de resultados, pelo desenvolvimento de novos exames voltados a doenças emergentes, pela avaliação e dimensionamento da capacidade instalada e por um bom planejamento de recursos humanos e materiais para suportar o aumento da demanda”, avalia Daniel Périgo, líder do Comitê ESG da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).
Além disso, ele cita ainda a importância do acompanhamento de plataformas que tragam maior previsibilidade e permitam acompanhar a incidência de surtos e epidemias, seja por inteligência artificial ou outras tecnologias, o que pode ajudar a otimizar fluxos e apoiar decisões clínicas em tempo real.
“A COP30 fortalece esse momento em que todo o ecossistema de saúde está discutindo a crise climática e aponta para um novo paradigma, no qual o setor de saúde pode se consolidar como ator-chave na promoção de soluções sustentáveis e inclusivas”, analisa Périgo.
O especialista destaca ainda que a COP30, ao posicionar o Brasil como centro das negociações climáticas globais, representa uma oportunidade para que o setor de saúde – e especialmente a medicina diagnóstica – se firme como protagonista de uma nova economia baseada em baixas emissões e maior justiça social.

“O setor já responde por cerca de 4,4% das emissões globais de CO₂ e, portanto, deve estimular a transição para práticas operacionais mais sustentáveis. Isso inclui desde o incentivo à inovação e à digitalização até a atuação em políticas públicas voltadas à equidade no acesso à saúde, em diálogo com os objetivos da conferência.”
Para Evelyn Tiburzio, diretora técnica da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), discutir saúde na COP30 é fundamental para integrar a agenda ambiental às políticas de cuidado com a população, promover práticas sustentáveis nas instituições de saúde e fortalecer a resiliência frente aos desafios climáticos. “Com a realização da conferência no Brasil, temos uma oportunidade única de destacar iniciativas e influenciar políticas públicas globais.”
No dia 6 de junho, a associação realizou o seminário “Impactos das questões climáticas na saúde e o papel dos hospitais”, em parceria com a CNSaúde e o Hospital Porto Dias. O evento reuniu especialistas, gestores hospitalares e autoridades para discutir o papel do setor diante da emergência climática, com foco em soluções práticas e sustentáveis. Foram apresentados cases de hospitais associados que já adotam medidas para reduzir seu impacto ambiental.
Como parte do enfrentamento aos impactos causados pelas mudanças climáticas em saúde, a Anahp lançou, em parceria com hospitais associados, um projeto-piloto que reúne cinco instituições para atuação conjunta em situações críticas na capital paulista, como emergência e desastres de grandes proporções. São elas: BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hcor, Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Sírio-Libanês.
O chamado Plano de Auxílio Mútuo Hospitalar (PAM-H) é uma iniciativa colaborativa entre essas instituições para oferecer suporte mútuo em situações de emergência e desastres com o objetivo de garantir a continuidade do cuidado adequado para pacientes críticos em momentos de crise na capital.
O PAM-H prevê atuação integrada em cenários que excedam a capacidade de resposta de uma instituição, proporcionando a possibilidade de transferências de pacientes críticos para outro hospital para dar continuidade ao seu cuidado. Entre suas frentes estão a transferência coordenada de pacientes, o suporte a instituições que atinjam sua capacidade máxima e o auxílio a hospitais que precisem evacuar pacientes críticos por causa de incidentes internos (colapso estrutural ou incêndios, por exemplo).
“Este projeto-piloto representa um avanço na gestão colaborativa da saúde, alinhando-se a modelos bem-sucedidos em outras grandes metrópoles do mundo, onde a cooperação entre diferentes instituições tem se mostrado fundamental para enfrentar desafios sanitários complexos e garantir melhor atendimento à população”, afirma Fábio Racy, médico especialista em Medicina de Desastre do Hospital Israelita Albert Einstein e um dos participantes do projeto.
A ideia é, no futuro, incluir gradualmente mais hospitais privados, aumentando a capilaridade e potência da rede, além de desenvolver integrações com o setor público de saúde.
“A Anahp busca atuar e apoiar todas as iniciativas que contribuam para o fortalecimento da saúde no país e, juntamente com seus associados que compartilham deste propósito, identificamos uma sinergia possível para enfrentar situações que precisam de uma resposta rápida e eficaz. Estamos falando de hospitais com estrutura avançada, equipes médicas altamente qualificadas e gestão preparada para atuar em cenários extremamente tensos e difíceis”, afirma Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp.
O papel das operadoras de saúde no enfrentamento da crise climática
O Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) produziu um estudo no qual analisa os principais riscos das mudanças climáticas para a saúde e aponta soluções para que operadoras de planos de saúde se tornem mais resilientes e sustentáveis.
O documento “Texto para Discussão nº 110 – 2025: “Mudanças Climáticas e Efeitos na Saúde: Desafios e Oportunidades para a Saúde Suplementar no Brasil” aponta que a adaptação às mudanças climáticas no setor de saúde suplementar deve priorizar a redução da vulnerabilidade dos beneficiários, uma vez que os impactos diretos sobre sua saúde podem gerar desafios operacionais e financeiros para as operadoras.
O estudo sugere algumas ações estratégicas para mitigar os impactos causados pelas alterações climáticas, incluindo:
- Ampliação da telemedicina e telessaúde para aumentar o acesso e reduzir deslocamentos desnecessários;
- Criação de sistemas de alerta para eventos climáticos extremos para antecipar impactos e preparar a rede assistencial;
- Fortalecimento da vigilância epidemiológica para doenças ligadas ao clima, como dengue e infecções respiratórias;
- Adoção de práticas sustentáveis e ESG, como eficiência energética, redução de resíduos e uso racional de recursos naturais, para reduzir a pegada de carbono do setor;
- Criação de parcerias entre operadoras, prestadores, órgãos reguladores e o Sistema Único de Saúde (SUS) para criar políticas de adaptação e mitigação eficazes.
Além disso, a implementação de infraestrutura resiliente, capaz de operar mesmo em situações climáticas extremas, é essencial para garantir a continuidade do atendimento e a segurança dos pacientes.
Plano de Ação de Saúde de Belém
Em preparação para a COP30, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Saúde, em parceria com Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), apresentou — em março e durante a 78ª Assembleia Mundial de Saúde em maio, em Genebra, na Suíça — o “Plano de Ação de Saúde de Belém”. Seu objetivo é impulsionar sistemas de saúde do Brasil a se adaptarem e tornarem-se resilientes diante dos impactos das mudanças climáticas.
O plano traz três linhas de ação: vigilância e monitoramento climático em saúde, políticas baseadas em evidências e desenvolvimento de capacidades e inovação.
Elaborado em diálogo com sociedade civil, academia, Estados-membros da OMS e organizações internacionais, o plano será discutido ao longo de 2025 para sua adoção formal durante a COP30. O objetivo, para a COP30, é formalizar compromissos internacionais no plano, garantindo apoio financeiro e político, e inspirar os países — a partir de um guia de boas práticas — a incorporar ações de saúde nos seus compromissos climáticos .
A COP30 não é apenas uma conferência, é um momento para discutir propostas que podem ajudar a tornar o planeta mais sustentável e assim garantir a saúde das pessoas. O setor da saúde, por estar na linha de frente dos impactos e das soluções, deve assumir seu lugar como protagonista. Com propostas concretas, práticas sustentáveis e visão estratégica, o Brasil pode — e deve — mostrar ao mundo como saúde e clima caminham juntos.
Fonte: Saúde Business

